A Associação Brasileira de Criptoeconomia (abcripto), criada para defender e unificar os interesses do setor no país, enfrenta uma das crises institucionais mais graves de sua história. A saída de membros de grande relevância — entre eles Itaú, Coinbase, Liqi, GCB e Avenia — expôs um cenário de instabilidade, disputas internas e perda de confiança. A ruptura, revelada pelo Valor Econômico e confirmada pelas empresas, levanta dúvidas profundas sobre governança, representatividade e o futuro da autorregulação no mercado cripto nacional.
O impacto da debandada é imediato: perder nomes como o Itaú, um dos maiores bancos do país, e a Coinbase, uma das maiores exchanges do mundo, reduz drasticamente a capacidade da entidade de dialogar com o governo e o Banco Central em um momento crucial para a regulamentação dos criptoativos no Brasil.
O conflito interno: acusações, disputas e irregularidades
A crise ganhou força após um conflito entre o presidente da abcripto, Bernardo Srur, e quatro conselheiros da entidade. Srur ingressou na Justiça acusando André Portilho (Mynt/BTG Pactual), Maria Isabel Sica (Ripple), Renata Mancini (Ripio) e Daniel de Paiva Gomes de tentarem convocar uma assembleia para destituí-lo do cargo.
Os conselheiros, por sua vez, alegam falta de transparência, ausência de acesso a documentos e uma condução antidemocrática da entidade. Um dos pontos mais graves é a suspeita de irregularidade cadastral da abcripto junto à Receita Federal desde maio de 2025, o que, segundo eles, impediria inclusive a emissão de certidões e comprometeria a governança interna.
Com o agravamento da crise, a Justiça determinou a convocação de uma assembleia geral para eleição de um novo comando, marcada para 16 de dezembro.
Debandada: empresas buscam distância da turbulência
A saída das empresas ocorre como resposta direta ao clima de instabilidade. O GCB — especializado em tokenização de ativos — e a Liqi confirmaram a desfiliação. A Liqi destacou em nota que mantém atuação ativa em outras entidades, como Anbima e ABFintechs, sinalizando que busca ambientes mais estáveis de representação.
Em comunicado oficial, a abcripto tentou minimizar o episódio, classificando-o como um movimento natural para entidades representativas. No entanto, a dimensão dos nomes envolvidos indica um problema estrutural muito mais profundo e que ameaça a credibilidade da associação.
Análise: vácuo de representatividade e riscos para a regulação
A crise ocorre em um momento decisivo. O Banco Central, o Ministério da Fazenda e o Congresso avançam simultaneamente em temas como tributação de criptoativos, regulamentação de prestadoras de serviços e supervisão de mercado. Nesse cenário, uma entidade forte e coesa é fundamental para garantir que as demandas do setor sejam ouvidas de forma séria.
Com a saída de grandes players, a abcripto perde lastro institucional, diversidade técnica e legitimidade — fragilidades que podem comprometer sua atuação junto aos reguladores. Empresas como Itaú e Coinbase carregam, além de capital, reputação, compliance rigoroso e experiência internacional, elementos valiosos para o debate regulatório.
Para investidores e empresas, o episódio é um lembrete da imaturidade institucional que ainda permeia o setor cripto no Brasil. Embora o blockchain seja descentralizado, a construção de marcos regulatórios sólidos exige diálogo articulado por representantes legítimos — e isso só é possível com governança clara, transparência e estabilidade.
Caso a ABCripto não consiga resolver seus problemas internos e recuperar a confiança de seus principais membros, o Brasil pode caminhar para uma fragmentação representativa. Novas associações podem surgir, e empresas podem migrar para entidades mais tradicionais, como a Anbima, aumentando o ruído e dificultando o avanço regulatório.
O que observar nas próximas semanas
A assembleia do dia 16 de dezembro será determinante para o futuro da ABCripto. A escolha de uma nova liderança e a recomposição da confiança interna serão passos essenciais para evitar que o setor fique órfão de uma voz unificada em Brasília.
Investidores, empresas e reguladores acompanharão atentamente os desdobramentos — e a forma como a associação conduzirá esse processo definirá sua relevância no ecossistema nos próximos anos.
A crise deixa uma lição clara: no mercado de criptoativos, governança importa tanto quanto inovação. E a resposta a esse desafio será decisiva para o amadurecimento da indústria no Brasil.
